Portugal conheceu a Raquel Abreu em Junho de 2013 – através da reportagem da TVI “Células da Esperança” – como a patient advocate portuguesa que acompanha à clínica do oncologista Thomas Nesselhut, na Alemanha, alguns portugueses para tratamento com células dendríticas. Nós fomos conhecer a Raquel de há 15 anos. A que lutava desesperadamente contra uma patologia rara que ameaçava confiná-la a uma cadeira de rodas o resto da vida… e perceber como se tornou na Raquel que muitos conhecem hoje.

Hoje, com 43 anos, Raquel Abreu afirma que a ideia que melhor a define é a de alguém que, contra todos os prognósticos médicos, superou uma doença grave e incapacitante.

Com apenas 28 anos enfrentou um diagnóstico de uma situação rara de sobreposição de duas doenças: Fadiga Crónica e Síndrome da Imunodisfunção (CFIDS) e fibromialgia. Tinha dores fortíssimas em todo o lado esquerdo do corpo, dores igualmente fortes na perna direita, um cansaço anormal, perda de memória e de capacidades motoras, nomeadamente a mobilidade. “Deixei de andar. Perdi uma parte da memória recente e durante um ano quase não conseguia ler e escrever mais do que 5 minutos”, recorda Raquel.

À procura de respostas, de esperança e de soluções que não encontrou em Portugal, Raquel Abreu consultou, em 1999, em Londres, um dos principais especialistas em doenças neuromusculares da época. O que ouviu não lhe vinha de feição: garantiu-lhe que não voltaria a andar sem canadianas ou cadeira de rodas. Disse-lhe também que esquecesse voltar a trabalhar. Pela fama e renome, Raquel depositava neste médico grandes esperanças e, afinal, a única coisa que parecia poder oferecer-lhe era algum controlo das dores e o mínimo de qualidade de vida.

Não aceitou a possibilidade de viver sem atividade profissional e confinada a uma cadeira de rodas. Investigou, procurou, estudou, leu, perguntou, contactou. Todos os dias ia à clínica para tratamentos e todos os dias levava ideias novas para discutir com o médico que a seguia. “Fiz com duas amigas da clínica uma busca grande na Internet de todos os medicamentos e terapias possíveis de serem utilizados na nossa doença. Reuníamos com ele e em conjunto fomos decidindo o que fazer”, conta Raquel.

Na clínica em Londres, realizou, em parceria com uma clínica americana, um tratamento feito por computador que regulava as ondas cerebrais, integrou um ensaio clínico da Food and Drugs Administration (FDA) com um imuno-modelador para corrigir o sistema imunitário (uma quimioterapia leve, mas ainda assim penosa que fez durante um ano, duas vezes por semana) e foi à Suíça fazer terapia neural.

Os cinco anos que passou em tratamento, em Londres, não foram fáceis. Havia o enorme problema de mobilidade e de controlo da dor – que lhe dificultavam algo antes tão natural como cuidar de si própria -, tinha de passar dias ligada a uma máquina que lhe injetava morfina e monitorizava o coração para prevenir paragens cardíacas e sentia-se profundamente só: passou anos longe da família e dos amigos, a viver sozinha entre a casa onde morava e a clínica.

Uma “nova” Raquel

Raquel está recuperada e feliz. Trabalha (e bastante) e não só anda, como empurra a cadeira de rodas dos que não andam, se preciso for. Conseguiu, com todos os tratamentos feitos em Londres, curar-se e voltar à vida ativa 6 anos depois diagnóstico. “Preciso de um comprimido diário que controla a dor neuropática, sem ele ao fim de três dias as dores impedem-me de mexer as pernas e o braço esquerdo. Preciso de dormir muito e de descansar mais do que uma pessoa 100 por cento saudável. Mas não vejo isso como um problema, aprendi a adaptar-me a estas exigências do corpo e a respeitá-las sob pena de voltar a uma cadeira de rodas”, explica Raquel.

Em Julho de 2005, quando deixou de usar as canadianas, regressou a Portugal onde criou uma empresa ligada à saúde e deficiência. Entre entre 2009 e 2012 passou por países como Congo, Uganda, Chade, República Centro Africana, Haiti e Sudão onde trabalhou em ajuda humanitária para organizações como os Médicos sem Fronteiras.

Os seus cinco anos de tratamento foram absurdamente caros, só em 2012 acabou de pagar a última prestação dos 250 mil euros que investiu na sua saúde. “A minha mãe vendeu tudo o que tinha, fiz vários empréstimos a bancos e a amigos. Eu era funcionária pública e o Estado estava, ao abrigo de uma lei que contemplava doenças como a minha, obrigado a pagar uma parte considerável do tratamento, mas nunca pagou a totalidade da quantia que me era devida e passámos anos a pagar empréstimos.”

Mais recentemente voltou a acompanhar de perto a experiência e as dificuldades de uma doença grave, desta vez de uma amiga. Passou meses a procurar opções que pudessem ajudá-la a ter um melhor tratamento e qualidade de vida e, após optarem por aquele que parecia oferecer as melhores perspetivas de sucesso, foi com ela para o estrangeiro e acompanhou toda a gestão do seu tratamento e estadia fora do país.

E foi esta experiência, já depois de ela própria ter passado por todo esse processo, que a fez sentir que era isso que queria fazer: dedicar-se, a tempo inteiro, a ajudar pessoas numa situação semelhante.

Dando uso às cinco línguas que domina – além do português – e à sua experiência como paciente, Raquel iniciou a sua carreira como patient advocate em Janeiro de 2013. Em termos práticos, os serviços que oferece vão da procura de uma segunda opinião médica no estrangeiro à pesquisa de especialistas e tratamentos que possam dar resposta a situações de doenças graves, crónicas e raras, até à organização da logística necessária a essa deslocação. Faz também a gestão do processo clínico, nomeadamente, a tradução dos exames e relatórios e, por fim, se solicitado, o acompanhamento dos doentes ao estrangeiro para as consultas e tratamentos.

E assim se transformou Raquel Abreu: de paciente com um prognóstico negro a alguém que, hoje em dia, ajuda doentes com prognósticos igualmente maus… ou não fosse “the impossible is just the untried” (o impossível é apenas aquilo que ainda não se tentou fazer) uma das frases que mais a motiva na vida.

in http://inspiresaude.com/mix/saude-de-a-a-z/raquel-abreu-de-paciente-a-patient-advocate

© Copyright Raquel Abreu - by nove